Adriana Costa do Nascimento*
Carmem da Silva Mascarenhas*
RESUMO
Este artigo tem como objetivo evidenciar a importância da língua de sinais na educação dos surdos em classes regulares. Para a realização desta, foi feito uma pesquisa bibliográfica para reflexões, estudo e embasamento sobre os assuntos pertinentes ao tema apresentado, destacando-se analises acerca da língua de sinais e suas caracterização do surdo desde a perda auditiva até a formação de sua identidade cultural surda, bem como no desenvolvimento cognitivo e participação no contexto das escolas normais no processo de escolarização destes alunos. Como metodologia optou-se por um estudo de campo dentro de um enfoque qualitativo e quantitativo onde foram aplicados questionários com 30 professores em três instituições de ensino no município de Salvador-Ba. Através das respostas desses educadores, com suas respectivas opiniões pode-se observar suas dificuldades comunicativas com estes sujeitos, confirmando-se a grande importância do uso desta forma de linguagem na educação dos surdos em escolas regulares, evidenciando-se a necessidade de uma educação bilíngüe que valorize a língua natural do surdo, dando condições para que este possa desenvolver-se para a vida social, a cidadania e para o trabalho.
Palavras – chave: Língua de Sinais, Educação dos Surdos, Escola Regular.
INTRODUÇÃO
Discutir sobre a educação dos surdos e como ela deve acontecer no contexto escolar têm sido motivos polêmicos, pois não basta somente que seja incluído em classes normais, mas principalmente que seja atendido nas suas necessidades lingüísticas.
Postos à margem das questões sociais, culturais, e educacionais os surdos não são vistos pela sociedade por suas potencialidades, mas pelas limitações impostas por sua condição. A definição desse sujeito como um ser deficiente e, portanto incapaz, deve-se não somente à forma incompreensiva da sociedade analisar a surdez, mas principalmente devido a um atraso na aquisição da linguagem que os surdos têm no seu desenvolvimento, já que, na maioria das vezes, o acesso a ela é inexistente.
Esse atraso envolve todos os aspectos da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo dos portadores de surdez, provocando dificuldades de desenvolver abstração de conceitos, prendendo o surdo às situações puramente concretas. Sabe-se que a criança percebe o mundo através da linguagem, que se converte em parte essencial do seu desenvolvimento global. A linguagem planeja e regula as ações humanas e é uma evolução dos primeiros intercâmbios sociais e comunicativos.
A maioria das crianças surdas não tem acesso a este mecanismo de desenvolvimento. Como então aprendem? Como se comunicam? Como se desenvolvem? Como se dá sua aprendizagem?
Diante de tais reflexões esta pesquisa tem como objetivo evidenciar a importância da língua de sinais na educação do sujeito surdo em classes regulares. A utilização da língua de sinais vem sendo reconhecida como caminho necessário para uma efetiva mudança nas condições oferecidas pela escola no atendimento escolar desses alunos, por ser uma língua viva, produto de interação das pessoas que se comunicam não de forma oral, mas visual. Esse tipo de linguagem, assim como a oral possui riquezas lingüísticas e oferece as mesmas possibilidades de constituição de significados, além de cumprir um papel fundamental na educação dos surdos, não podendo ser ignorado pela escola no processo ensino e aprendizagem deste educando e constitui uma base para sua comunicação.
Para tais reflexões e realização desta pesquisa, foram utilizados como aporte teórico citações bibliográfica de autores como Carlos Skilar, Ronice Quadros, Paula Botelho, Gladis Perlin, Vygotsky, Marchesi entre outros, pois desenvolvem análises de grande importância para a compreensão do problema apresentado, bem como documentos legais que defendem meios que favoreçam a educação dos portadores de deficiência, em específico uso da língua de sinais na educação do sujeito surdo. Do ponto de vista metodológico, este trabalho será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica para ilustrar a fundamentação teórica.
Pela extensão desta pesquisa, estudos posteriores podem ser desenvolvidos com objetivo de aprofundar questões mais específicas na educação dos surdos. O importante é que a sociedade possa oferecer meios para o desenvolvimento intelectual e psicossocial do surdo, reconhecendo-o em seu potencial e valorizando-o em sua diferença, na busca de uma sociedade inclusiva e igualitária.
1- A LÍNGUA DE SINAIS
A língua de sinais, ao longo dos anos, vem suscitando debates e embates acerca do seu uso, tanto na sociedade como na escola, embora muitos ainda desconheçam que ela constitua uma verdadeira linguagem.
Para Marchesi (in Cool, Palácios e Marchesi, 1995), a falta de conhecimento acerca desta língua, a confiança numa metodologia oral e por ser considerada apenas como mímica, motivaram a cultura hegemônica ouvinte a estigmatizarem e condenarem o uso desta língua considerando-a imprópria na educação do surdo por ser prejudicial à aquisição da linguagem oral, bem como a sua integração na sociedade.
Estes motivos perderam força com o tempo e o avanço nas pesquisas lingüísticas acerca dessa língua trouxe como conseqüência o seu reconhecimento lingüístico e atualmente já tem status lingüístico, ou seja, já é reconhecida como língua. A língua de sinais é a língua natural dos surdos, mas para entender esta língua com suas características e peculiaridades faz-se necessário entender o conceito de língua e a sua importância na comunicação.
Segundo Ferreira (1999), língua é o conjunto das palavras e expressões faladas ou escritas, usadas por um povo ou uma nação e o conjunto de regras da sua gramática. Diante desse conceito, analisa-se que a língua exerce um papel social, de compartilhamento de forma falada e escrita por pessoas de uma comunidade lingüística. A maioria dos surdos, não falam, como então eles se comunicam com o mundo que o cercam?
Em resposta a esta pergunta Reily (2004, p.117), defende que “quando a voz não pode ser usada, o gesto é uma opção natural para a constituição da linguagem”. Portanto, se não podemos falar, temos que buscar meios adequados que supram as funcionalidades da língua oral. Relacionando as línguas orais com as línguas de sinais, temos a fala e o sinal.
Segundo Ferreira (1999), a fala é a ação ou faculdade de falar, e sinal é signo convencionado que serve para transmitir informação. Verificando o conceito de sinal e pensando na língua sinalizada, percebe-se que quando o gesto representa um sinal convencional e possui contexto lingüístico com significado, enquadra-se então na definição de língua, servindo, portanto, para exercer comunicação, interação, substituindo assim, a fala.
É cientificamente comprovado que o ser humano possui dois sistemas para a produção e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial faz uso da anatomia visual, auditiva e vocal, característica das línguas orais; e o sistema motor que faz uso da anatomia visual, da anatomia da mão e do braço, caracterizando as línguas de sinais. Essa é considerada a língua natural do surdo e é imprescindível no seu desenvolvimento psicossocial e intelectual.
Na aquisição da linguagem, os surdos utilizam o sistema motor porque apresentam o sistema sensorial (audição) seriamente prejudicado. Assim, o sinal é a língua do surdo e, no aspecto funcional, é igual à fala para os ouvintes, pois possui sintaxe, gramática e semântica completas que permitem desenvolver a expressão de emoção e articulação de idéias.
Segundo Quadros (2006), a língua de sinais é uma língua espacial visual, pois utiliza a visão para captar as mensagens e os movimentos, principalmente das mãos, para transmití-la. Distinguem-se das línguas orais pela utilização do canal comunicativo, enquanto as línguas orais utilizam canal oral-auditivo, as línguas de sinais utilizam canal gestual-visual.
Esta forma de linguagem é rica, completa, coexiste com as línguas orais, mas é independente e possui estrutura gramatical própria e complexa, com regras fonológicas, morfológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas. É lógica e serve para atingir todos os objetivos de forma rápida e eficiente na exposição de necessidades, sentimentos, desejos, servindo plenamente para alimentar os processos mentais.
Marchesi (1995, p. 219) afirma que “A língua de sinais é uma linguagem autêntica, com uma estrutura gramatical própria e com possibilidades de expressão em qualquer nível de abstração”. Por ser tão completa quanto à língua oral é adequada, pode e deve ser utilizada no processo ensino e aprendizagem, exercendo o desenvolvimento, a comunicação e a educação dos alunos marcados por uma falta, a audição.
A língua de sinais adquiriu status lingüístico de direito e de fato em 2002, com a sanção da lei nº. 10436, que a reconhece legalmente como forma de expressão, com sistema lingüístico visual-motor próprio para exercer comunicação.
Diante destas análises acerca da língua de sinais, ao longo deste estudo, será possível compreender os conteúdos abordados no que tange à sua importância na educação dos surdos nas classes normais, salientando que a criança surda pode desenvolver-se, comunicar-se e aprender, desde que tenha suas necessidades lingüísticas supridas.
1.1- BASES HISTÓRICAS DA LÍNGUA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS
Conhecer a base histórica sobre a educação de surdos e a língua de sinais é um passo necessário para iniciar um estudo que tem por objetivo destacar a importância da língua de sinais na educação desse sujeito.
No decorrer da história, a surdez foi alvo de incompreensão, apresentada apenas por aspectos negativos onde os surdos foram vistos de várias formas, desde loucos, doentes até como pessoas castigadas pelos deuses. Considerados primitivos até o século XV, estes viviam à margem da sociedade, pois eram considerados ineducáveis, portanto não tinham direitos, principalmente à educação.
Segundo Soares (1999), nos meados do século XVI, Gerolamo Cardano (1501-1576) propôs um conjunto de princípios que prometia uma ajuda educacional e social para os deficientes auditivos, afirmando que podiam ser pensantes e poderiam aprender e o melhor seria por meio da escrita. Neste período, surgiram os primeiros educadores de surdos.
Estes educadores desenvolveram seus ensinos em diferentes direções e suas opções teóricas situaram-se entre dois extremos: o oralismo e a posição gestualista. Para compreender melhor este processo, será interessante analisar a história da educação dos surdos e o uso da língua de sinais, bem como a tentativa de oralizar o surdo. Se alguns educadores de surdos não mediam esforços para fazê-lo falar, outros criaram e adaptaram técnicas e metodologia especifica para ensinar os surdos nas suas diferenças lingüísticas.
O primeiro professor de surdos reconhecido pela história foi o padre espanhol Pedro Ponce de Lion (1520-1584), monge beneditino que ensinou a ler e a escrever, fazer cálculos e falar. Ele deixou uma escola de professores para surdos. Em 1620, na Espanha, Juan Pablo Bonet (1579-1629) publica o primeiro livro sobre educação de surdos intitulado de “Redação das Letras e Arte de Ensinar os Mudos a Falar”, que consiste no aprendizado do alfabeto manual.
Em 1760, o abade Charles Michel de L’Epée (1712-1789) estudou e adaptou o método gestual que era a fusão da língua de sinais com a gramática sinalizada. Foi com abade, em sua própria casa, que surgiu uma escola pública para surdos.
Embora L’Epée tenha comprovado que seu método com o uso de sinais era eficaz, foi muito criticado por educadores oralistas alemães, entre eles Samuel Heincke (1729-1790), que desenvolveu o método oralista que atribuía grande valor a fala.
Nos Estados Unidos, no final do século XX, as discussões e disputas acerca da educação do surdo ganharam força, principalmente entre Eduard Minner Gallaudet (1837-1917) e Alexandre Graham Bell (1847-1922), ambos filhos de mães surdas, que desenvolveram atividades e metodologias na área da surdez, porém seguiam filosofias diferentes, Gallaudet era a favor da abordagem manual e Graham Bell era representante do método oralista.
Em meio a tantos embates acerca das duas posições, o método oral ganha força e em 1880 define-se uma nova corrente na educação dos surdos, o oralismo e o uso da língua de sinais, em todas as suas formas, foi então proibido e estigmatizado.
Durante quase cem anos existiu o chamado “Império Oralista” e neste período os professores surdos já existentes nas escolas foram afastados e proibidos de usar a língua de sinais de seus países, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Era comum a prática de amarrar as mãos das crianças para impedi-las de fazer sinais.
No Brasil, aconteceu a mesma coisa e os surdos que utilizavam o método oralista apresentaram níveis elevados de fracasso e evasão escolar, não havendo assim evolução na aprendizagem desses sujeitos. Entretanto, os alunos surdos oriundos de vários centros urbanos, sinalizavam entre si, criando o momento propício para a constituição de uma língua de sinais brasileira.
Segundo Reily (2004,114), “A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve origem na sistematização realizada por religiosos franceses”, mais especificamente, com a chegada do professor francês em 1855, Henest Huet, professor surdo, que, a convite de D. Pedro II, trouxe o “método combinado” criado por L’Epee, para trabalhar com surdos no Brasil.
Em 1857 foi fundada a primeira escola para surdos no Brasil, sob a lei 939 de 26 de janeiro de 1857 e o Instituto dos Surdos-mudos, hoje Instituto Nacional da Educação de Surdos (INES). Foi a partir deste instituto que surgiu da mistura da língua de sinais francesa, trazida pelo professor Huet, com a língua de sinais brasileira antiga, a Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS.
No século XX, em 1960, William Stocke (EUA) implanta a filosofia da comunicação total na qual defendia a utilização de todos os meios para facilitar a comunicação como mímica, pantomima, gestos, sinais, estimulações auditivas, adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual, língua de sinais, leitura labial, alfabeto manual e leitura escrita.
No ano de 1971, em Paris, a língua de sinais passou a ser novamente valorizada. Foi também discutida nos Estados Unidos, sobre a chamada “filosofia da comunicação total”. As decisões tomadas neste congresso influíram positivamente na educação do surdo em todo mundo, também no Brasil.
Atualmente no Brasil, existem muitas escolas que vêm implementando uma proposta bilíngüe na educação dos surdos, ou seja, aprendizado com metodologia apropriada da língua portuguesa e da língua de sinais brasileira. Os surdos brasileiros vêm lutando por um ensino que atenda eficazmente suas necessidades lingüísticas e culturais para que possam integrar-se e estar em condições de igualdade com ouvintes tanto na vida social, quanto na profissional.
1.2- CARACTERIZANDO PERDA AUDITIVA E CULTURA SURDA
A surdez é a perda total ou parcial do sentido da audição. Trata-se por deficiência auditiva a diminuição da capacidade de percepção normal dos sons, sendo considerado surdo o individuo cuja audição não é funcional na vida comum e hipoacúsico, aquele, cuja audição ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva.
Segundo Kirk e Gallagher (1996), a audição é geralmente medida e descrita em decibéis (dB), medida relativa da intensidade do som. Uma audição normal é representada por zero decibéis e a perda auditiva de até vinte e cinco decibéis não é considerada uma deficiência significativa. Quanto maior o número de decibéis necessários para que uma pessoa possa responder ao som, maior a perda auditiva. Por isso existem vários tipos de surdez, de acordo com os diferentes graus de perda auditiva.
Uma perda auditiva de vinte e sete até quarenta dB é considerada como surdez leve e impede a pessoa de perceber sons distantes e os fonemas das palavras, mas não impede a aquisição normal da língua oral. A pessoa com surdez moderada apresenta perda auditiva entre quarenta e um a setenta decibéis ocasionando atraso de linguagem e alterações articulatórias.
Já a pessoa considerada como surda é aquela com surdez severa com perda auditiva entre setenta e um a noventa decibéis e o individuo consegue ouvir apenas sons próximos. Por fim a surdez profunda é a perda superior a noventa e um decibéis, privando o individuo de informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a língua oral, fazendo-se necessário, nesse caso o uso da língua de sinais.
A dificuldade de comunicação dos surdos, ao longo da história, lhes trouxe muitos problemas. A falta desse mecanismo foi motivo de perseguição, segregação e exclusão. A visão da sociedade ouvinte sobre a surdez sempre foi preconceituosa - classificando esta deficiência como maldição, loucura, patologia e, para muitos, deficiência mental - colocou estes sujeitos à margem do mundo social, político, econômico, educacional e cultural, impedindo-os de exercer sua cidadania, impondo-os as decisões da cultura hegemônica ouvinte no que diz respeito a questões que lhe são pertinentes, como as questões educacionais e sobre a sua integração na sociedade, na escola e no mercado de trabalho, bem como na sua linguagem, não considerando seu crescimento e auto-realização.
A surdez ainda está associada à experiência da falta, da deficiência, porém vale ressaltar também é “uma diferença a ser politicamente reconhecida” (Skliar, 2005). Percebida e aceita a surdez como diferença, o surdo deve ser compreendido mais claramente em suas angústias, expectativas e demandas individuais e sociais.
As barreiras comunicativas criam dificuldades de desenvolvimento das estruturas mentais dos surdos, embora se saiba que estes possuem desenvolvimento cognitivo compatível de aprender como qualquer ouvinte, portanto a ênfase não deve ser dada à falta, à deficiência da audição, mas a dimensão lingüística e cultural que caracteriza a diferença do surdo.
O surdo não é diferente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades psicológicas e culturais diferentes dos ouvintes, que são baseadas na linguagem e na experiência visual. A pessoa surda vivencia a falta de audição num mundo de sons, o que a impede de adquirir naturalmente a linguagem oral usada pela comunidade majoritária, baseando-se nessa diferença sua identidade é construída, utilizando estratégias cognitivas, comportamentais e culturais diferentes da maioria dos ouvintes.
Para Perlin in Skliar (2005, p. 57), “(...) a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual, essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como construção multicultural”. Desta forma, entende-se que a identidade dos surdos é o conjunto de traços que o distingue dos ouvintes, representada por uma cultura específica, resultante das interações entre surdos.
A identidade cultural surda é formada através do pertencimento a uma cultura, por isso, o surdo está sempre em situação de necessidade com o outro igual, sendo a cultura surda o local onde o surdo constrói sua subjetividade de forma a assegurar a sua sobrevivência e a ter seu status dentro das múltiplas culturas.
Nesse sentido aqui abordado, cultura é a forma global de vida ou a experiência vivida de um grupo social, é definida como um campo de forças subjetivas que se expressam através da linguagem, dos juízos de valor, da arte, das motivações, etc., gerando a ordem de um grupo, com seus códigos próprios, sua forma de organização e de solidariedade.
Para Quadros (2001), a cultura surda tem características peculiares, específicas diante das demais culturas. Multifacetada, é própria do surdo, se apresenta de forma visual onde o pensamento e a linguagem são de ordem visual e por isso é tão difícil de ser compreendida pela cultura ouvinte.
O surdo percebe o mundo de forma diferenciada dos ouvintes, através de uma experiência visual e faz uso de uma linguagem especifica para isso - a língua de sinais. Esta língua é, antes de tudo, a imagem do pensamento dos surdos e faz parte da experiência vivida da comunidade surda. Como artefato cultural, a língua de sinais também é submetida à significação social a partir de critérios valorizados, sendo aprovada como sistema de linguagem rica e independente.
Um outro aspecto importante da cultura dos surdos é a adoção de uma ética da vida em seus comportamentos, pois, para os surdos, o que valida a ação é se ela atende ou não aos objetivos e necessidades básicas da vida, ou seja, sobrevivência, prazer e satisfação plena dessas necessidades.
Conclui-se que, quando visto sob o aspecto da deficiência, o surdo é caracterizado por algo que lhe falta, a audição; mas visto sob um novo olhar - o olhar das diferenças - é caracterizado como um sujeito que possui realmente a perda auditiva, mas possui também uma identidade política própria e faz parte de uma cultura rica e tem a sua língua. Vale-se ressaltar, porém, que nem todos os deficientes auditivos têm acesso a sua cultura, a sua linguagem, a sua identidade cultural, alguns por falta de conhecimento, outros por exigências familiares, por preconceitos (Botelho, 2002) negam-se ao direito de se comunicarem na sua língua natural, a língua sinalizada.
A escola precisa estar aberta à cultura surda, precisa reconhecê-la como cultura, precisa proporcionar meios para que seus educandos surdos não sejam vistos apenas como o deficiente auditivo, mas como alguém que possui uma identidade cultural própria, significativa com características próprias. Esta instituição precisa proporcionar recursos lingüísticos para que o surdo possa se desenvolver de forma autônoma, preparando-o para enfrentar desafios, não o vendo sob o ângulo da surdez, mas da diferença.
1.3- O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO SUJEITO SURDO.
Estudiosos e pesquisadores da surdez asseguram que os surdos passam por muitas dificuldades ao longo de suas vidas, tanto no aspecto social, como no desenvolvimento psicológico e acadêmico. Consideram que tais dificuldades estão diretamente relacionadas com a questão do desenvolvimento lingüístico devido a um atraso na aquisição da linguagem desses sujeitos.
Quando ocorre esse atraso, mesmo que aprendendo tardiamente uma língua, a criança surda sempre terá conseqüências como problemas emocionais, sociais e cognitivos, pois só com a linguagem simbólica é possível operar funções mentais superiores tipicamente humanas, o que faz com que a criança aprenda e apreenda conceitos e abstrações e assim se desenvolva cognitivamente.
Esta relação entre desenvolvimento lingüístico e cognição coloca o conceito de linguagem além da função comunicativa, mas também como função reguladora e organizadora do pensamento.
Rego (1994) ao estudar Vygotsky, destaca que, nos postulados deste teórico, o mesmo defende que a linguagem é de suma importância no desenvolvimento da criança. Ele vê este signo mediador como sendo imprescindível para o desenvolvimento humano, pois carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. Segundo este autor, a relação entre homem e o mundo não acontece de forma direta, mas mediada por sistemas simbólicos, sendo a linguagem uma construção cultural da humanidade, o sistema básico das sociedades e o principal aspecto para a construção da cognição humana.
Através destes estudos pode-se perceber a importância das relações sociais e lingüísticas no desenvolvimento das crianças. A criança surda por estar num meio social que faz uso da língua oral, é privada deste contato social de informações lingüísticas. A dificuldade e acesso a um código simbólico ou a sua língua natural - a língua de sinais - mantém sua atividade cognitiva orientada pelas percepções de outros órgãos dos sentidos, produzindo um tipo de pensamento mais concreto, já que é por meio da linguagem que a criança pode desvincular-se cada vez mais do concreto e internalizar conceitos abstratos.
Conforme Goldfeld (2002, p.60), “Se a criança não se desvincula do ambiente concreto, ela não terá condições favoráveis de desenvolver as funções organizadoras e planejadoras da linguagem satisfatoriamente”. Através desta fala entendemos que a criança percebe o mundo, assimila conceitos através da linguagem, sem ela a mesma não se desenvolve por não abstrair conceitos complexos. Por possuir pensamento concreto, caracterizado pelo mundo visual que cerca a criança surda, as pessoas ouvintes sempre as vêem como intelectualmente incapazes ou relacionam a surdez à deficiência mental.
Há muitos questionamentos acerca do surdo, ter dificuldades de abstrair conceitos por não ter acesso à linguagem. Botelho (2002) defende que essas dificuldades, quando existem, relacionam-se com experiências lingüísticas insatisfatórias. Mesmo sendo cognitivamente igual aos ouvintes, os surdos que não adquirem uma língua têm dificuldades de perceber as relações e o contexto mais amplo das atividades em que estão inseridos, assim o seu desenvolvimento e aprendizagem ficam fragmentados. A aquisição da língua de sinais vai permitir a criança surda, mediante suas relações sociais, o acesso aos conceitos de sua cultura que passará a utilizar como seus, formando assim uma maneira de pensar, agir e ver o mundo da cultura de sua comunidade.
Embasando a fala acima, Botelho (2002, p.53) diz que, “O que falta aos surdos, sem sombra de dúvidas, é o acesso a uma língua que dominem e que lhes permita pensar como todas as complexidades necessárias disponíveis como são para qualquer um”. Quando a criança surda tem acesso a sua língua natural, ou seja, a língua de sinais, ela se desenvolve integralmente, pois tem inteligência semelhante à dos ouvintes, com ressalva que aprendem da forma visual e não oral-auditiva, assim, a surdez não significa outra coisa senão a ausência de um dos elementos que permitem fazer relações com o ambiente, à audição.
A função principal do ouvido é a de receber, analisar os elementos sonoros do ambiente, e decompor a realidade em partes singulares com as quais se ligam nossas reações, a fim de adaptar o mais possível o comportamento ao ambiente. Em si mesmo, o comportamento humano, na sua totalidade de reações, se excluídas aquelas ligadas aos aspectos sonoros, permanece intacto no surdo.
Surge, assim, a necessidade de se buscar outros meios de aquisição de linguagem por parte dos indivíduos surdos, os quais valorizem o sentido visual, visto que os sonoros não são efetivos. Se não for utilizada a língua de sinais, todos os outros mecanismos utilizados com o sujeito surdos serão artificiais prejudicando, inclusive, o desenvolvimento natural destas crianças. Importante então é oferecer uma educação que permita o desenvolvimento integral do individuo surdo, de forma que o desenvolva toda a sua potencialidade cognitiva.
1.4- A LÍNGUA DE SINAIS NO CONTEXTO DA ESCOLA REGULAR
Todas as pessoas têm o direito de estar na escola (Constituição Federal, Art. 205), assim Ferreira (1999) define a escola como um estabelecimento público onde se ministra o ensino de forma coletiva, porém em sua essência a escola.
(...) apresenta-se, hoje como uma das mais importantes instituições sociais, por fazer, assim como as outras, a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Ao transmitir a cultura, e com ela, modelos sociais de comportamentos e valores morais à escola permite que a criança “humanize-se, cultive, socialize-se ou, numa palavra, eduque-se.” (Boock, 2002. P. 261).
Percebe-se então que a escola é muito importante na formação do sujeito em todos os aspectos. É um lugar de aprendizagem de diferenças e de trocas de conhecimentos, precisando, portanto atender a todos sem distinção, a fim de não promover fracassos, discriminações e exclusões (Carvalho, 2004).
Determinações constitucionais prevêem organização especial de currículos, desenvolvimento de métodos, técnicas e recursos educativos, além de professores especializados e capacitados. No caso do surdo especificamente, trata-se de promover adequações das ações educacionais à realidade daquele que tem (ou deveria ter) a língua de sinais como primeira língua.
Tais ações implicam na necessidade de uma educação bilíngüe nas classes regulares e estão respaldadas numa concepção filosófica norteadora de diretrizes legais que estabelecem uma escola alicerçada no respeito às diferenças e igual para todos, de forma a favorecer o desenvolvimento dos alunos surdos.
A Declaração de Salamanca (1994) prevê uma educação inclusiva onde todas as crianças podem aprender juntas, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, raciais, lingüísticas ou outras. No caso do surdo sua educação é prevista em sua língua nacional de signos, a língua de sinais.
Já a LDBEN/96 (Lei das Diretrizes Bases da Educação Nacional de 1996), fundamentada em Salamanca (1994) e na Constituição Federal de 1988, traz em seus artigos especificamente 58 e 59, fundamentos e princípios para uma educação inclusiva de qualidade que atenda a todos os educandos através de adequações específicas para atender as necessidades dos portadores de deficiências.
Para Carvalho (2004) não basta apenas colocar os deficientes em classes regulares, se faz necessário assegurar-lhes garantias e práticas pedagógicas que rompam as barreiras de aprendizagem a fim de não se fazer uma educação inclusiva marginal e excludente.
Na educação dos surdos, o que lhes constitui uma barreira de aprendizagem diz respeito às questões referentes à sua linguagem. Estes sujeitos não ouvem, por isso, têm grandes dificuldades em se comunicar e aprender, embora sejam iguais aos ouvintes, as precisam de uma educação diferente que o respeite na sua diferença.
Atualmente no Brasil há um crescente discurso sobre a educação bilíngüe para surdos. O termo bilingüismo significa “utilização regular de duas línguas por indivíduos, ou comunidade, como resultado de contato lingüístico” (Ferreira, 1999, p. 300). Ser bilíngüe, portanto é falar e escrever em duas línguas.
O surdo tem direito a esta educação e a mesma deve acontecer de maneira que, segundo Quadros, (2006) o português deveria ser ensinado aos surdos como segunda língua. Dessa forma a escola deveria apresentar alternativas voltadas às necessidades lingüísticas dos surdos, promovendo estratégias que permitam a aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais, como primeira língua e, paralelamente, introduzir a língua portuguesa em sua modalidade escrita, como segunda língua. A autora discorre acerca de como deve acontecer a educação bilíngüe e o papel da escola nesse processo.
“As diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngüe à criança em uma escola dependem de decisões político-pedagógicas. Ao optar-se em oferecer uma educação bilíngüe, a escola está assumindo uma política lingüística em que duas línguas passarão a co-existir no espaço escolar (...)”. (Quadros, 2006, p.18).
Entende-se assim que não basta somente a escola colocar duas línguas co-existindo nas suas classes, antes precisa que haja subsídios e adequações curriculares de forma a favorecer surdos e ouvintes, a fim de tornar o ensino apropriado à peculiaridade de cada aluno.
Segundo Skliar (2005, p.27), usufruir da linguagem de sinais “é um
direito dos surdos e não uma concessão de alguns professores e escolas”.
Os surdos têm plenos direitos a uma educação que privilegie a sua
língua materna e de acordo com a legislação brasileira isso não lhe deve
ser negado. No Brasil, leis e decretos garantem a estes alunos uma
educação diferenciada em classes regulares, onde sua língua nacional de
signos, aqui conhecida como LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), é
valorizada.Carmem da Silva Mascarenhas*
RESUMO
Este artigo tem como objetivo evidenciar a importância da língua de sinais na educação dos surdos em classes regulares. Para a realização desta, foi feito uma pesquisa bibliográfica para reflexões, estudo e embasamento sobre os assuntos pertinentes ao tema apresentado, destacando-se analises acerca da língua de sinais e suas caracterização do surdo desde a perda auditiva até a formação de sua identidade cultural surda, bem como no desenvolvimento cognitivo e participação no contexto das escolas normais no processo de escolarização destes alunos. Como metodologia optou-se por um estudo de campo dentro de um enfoque qualitativo e quantitativo onde foram aplicados questionários com 30 professores em três instituições de ensino no município de Salvador-Ba. Através das respostas desses educadores, com suas respectivas opiniões pode-se observar suas dificuldades comunicativas com estes sujeitos, confirmando-se a grande importância do uso desta forma de linguagem na educação dos surdos em escolas regulares, evidenciando-se a necessidade de uma educação bilíngüe que valorize a língua natural do surdo, dando condições para que este possa desenvolver-se para a vida social, a cidadania e para o trabalho.
Palavras – chave: Língua de Sinais, Educação dos Surdos, Escola Regular.
INTRODUÇÃO
Discutir sobre a educação dos surdos e como ela deve acontecer no contexto escolar têm sido motivos polêmicos, pois não basta somente que seja incluído em classes normais, mas principalmente que seja atendido nas suas necessidades lingüísticas.
Postos à margem das questões sociais, culturais, e educacionais os surdos não são vistos pela sociedade por suas potencialidades, mas pelas limitações impostas por sua condição. A definição desse sujeito como um ser deficiente e, portanto incapaz, deve-se não somente à forma incompreensiva da sociedade analisar a surdez, mas principalmente devido a um atraso na aquisição da linguagem que os surdos têm no seu desenvolvimento, já que, na maioria das vezes, o acesso a ela é inexistente.
Esse atraso envolve todos os aspectos da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo dos portadores de surdez, provocando dificuldades de desenvolver abstração de conceitos, prendendo o surdo às situações puramente concretas. Sabe-se que a criança percebe o mundo através da linguagem, que se converte em parte essencial do seu desenvolvimento global. A linguagem planeja e regula as ações humanas e é uma evolução dos primeiros intercâmbios sociais e comunicativos.
A maioria das crianças surdas não tem acesso a este mecanismo de desenvolvimento. Como então aprendem? Como se comunicam? Como se desenvolvem? Como se dá sua aprendizagem?
Diante de tais reflexões esta pesquisa tem como objetivo evidenciar a importância da língua de sinais na educação do sujeito surdo em classes regulares. A utilização da língua de sinais vem sendo reconhecida como caminho necessário para uma efetiva mudança nas condições oferecidas pela escola no atendimento escolar desses alunos, por ser uma língua viva, produto de interação das pessoas que se comunicam não de forma oral, mas visual. Esse tipo de linguagem, assim como a oral possui riquezas lingüísticas e oferece as mesmas possibilidades de constituição de significados, além de cumprir um papel fundamental na educação dos surdos, não podendo ser ignorado pela escola no processo ensino e aprendizagem deste educando e constitui uma base para sua comunicação.
Para tais reflexões e realização desta pesquisa, foram utilizados como aporte teórico citações bibliográfica de autores como Carlos Skilar, Ronice Quadros, Paula Botelho, Gladis Perlin, Vygotsky, Marchesi entre outros, pois desenvolvem análises de grande importância para a compreensão do problema apresentado, bem como documentos legais que defendem meios que favoreçam a educação dos portadores de deficiência, em específico uso da língua de sinais na educação do sujeito surdo. Do ponto de vista metodológico, este trabalho será desenvolvido através de pesquisa bibliográfica para ilustrar a fundamentação teórica.
Pela extensão desta pesquisa, estudos posteriores podem ser desenvolvidos com objetivo de aprofundar questões mais específicas na educação dos surdos. O importante é que a sociedade possa oferecer meios para o desenvolvimento intelectual e psicossocial do surdo, reconhecendo-o em seu potencial e valorizando-o em sua diferença, na busca de uma sociedade inclusiva e igualitária.
1- A LÍNGUA DE SINAIS
A língua de sinais, ao longo dos anos, vem suscitando debates e embates acerca do seu uso, tanto na sociedade como na escola, embora muitos ainda desconheçam que ela constitua uma verdadeira linguagem.
Para Marchesi (in Cool, Palácios e Marchesi, 1995), a falta de conhecimento acerca desta língua, a confiança numa metodologia oral e por ser considerada apenas como mímica, motivaram a cultura hegemônica ouvinte a estigmatizarem e condenarem o uso desta língua considerando-a imprópria na educação do surdo por ser prejudicial à aquisição da linguagem oral, bem como a sua integração na sociedade.
Estes motivos perderam força com o tempo e o avanço nas pesquisas lingüísticas acerca dessa língua trouxe como conseqüência o seu reconhecimento lingüístico e atualmente já tem status lingüístico, ou seja, já é reconhecida como língua. A língua de sinais é a língua natural dos surdos, mas para entender esta língua com suas características e peculiaridades faz-se necessário entender o conceito de língua e a sua importância na comunicação.
Segundo Ferreira (1999), língua é o conjunto das palavras e expressões faladas ou escritas, usadas por um povo ou uma nação e o conjunto de regras da sua gramática. Diante desse conceito, analisa-se que a língua exerce um papel social, de compartilhamento de forma falada e escrita por pessoas de uma comunidade lingüística. A maioria dos surdos, não falam, como então eles se comunicam com o mundo que o cercam?
Em resposta a esta pergunta Reily (2004, p.117), defende que “quando a voz não pode ser usada, o gesto é uma opção natural para a constituição da linguagem”. Portanto, se não podemos falar, temos que buscar meios adequados que supram as funcionalidades da língua oral. Relacionando as línguas orais com as línguas de sinais, temos a fala e o sinal.
Segundo Ferreira (1999), a fala é a ação ou faculdade de falar, e sinal é signo convencionado que serve para transmitir informação. Verificando o conceito de sinal e pensando na língua sinalizada, percebe-se que quando o gesto representa um sinal convencional e possui contexto lingüístico com significado, enquadra-se então na definição de língua, servindo, portanto, para exercer comunicação, interação, substituindo assim, a fala.
É cientificamente comprovado que o ser humano possui dois sistemas para a produção e reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial faz uso da anatomia visual, auditiva e vocal, característica das línguas orais; e o sistema motor que faz uso da anatomia visual, da anatomia da mão e do braço, caracterizando as línguas de sinais. Essa é considerada a língua natural do surdo e é imprescindível no seu desenvolvimento psicossocial e intelectual.
Na aquisição da linguagem, os surdos utilizam o sistema motor porque apresentam o sistema sensorial (audição) seriamente prejudicado. Assim, o sinal é a língua do surdo e, no aspecto funcional, é igual à fala para os ouvintes, pois possui sintaxe, gramática e semântica completas que permitem desenvolver a expressão de emoção e articulação de idéias.
Segundo Quadros (2006), a língua de sinais é uma língua espacial visual, pois utiliza a visão para captar as mensagens e os movimentos, principalmente das mãos, para transmití-la. Distinguem-se das línguas orais pela utilização do canal comunicativo, enquanto as línguas orais utilizam canal oral-auditivo, as línguas de sinais utilizam canal gestual-visual.
Esta forma de linguagem é rica, completa, coexiste com as línguas orais, mas é independente e possui estrutura gramatical própria e complexa, com regras fonológicas, morfológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas. É lógica e serve para atingir todos os objetivos de forma rápida e eficiente na exposição de necessidades, sentimentos, desejos, servindo plenamente para alimentar os processos mentais.
Marchesi (1995, p. 219) afirma que “A língua de sinais é uma linguagem autêntica, com uma estrutura gramatical própria e com possibilidades de expressão em qualquer nível de abstração”. Por ser tão completa quanto à língua oral é adequada, pode e deve ser utilizada no processo ensino e aprendizagem, exercendo o desenvolvimento, a comunicação e a educação dos alunos marcados por uma falta, a audição.
A língua de sinais adquiriu status lingüístico de direito e de fato em 2002, com a sanção da lei nº. 10436, que a reconhece legalmente como forma de expressão, com sistema lingüístico visual-motor próprio para exercer comunicação.
Diante destas análises acerca da língua de sinais, ao longo deste estudo, será possível compreender os conteúdos abordados no que tange à sua importância na educação dos surdos nas classes normais, salientando que a criança surda pode desenvolver-se, comunicar-se e aprender, desde que tenha suas necessidades lingüísticas supridas.
1.1- BASES HISTÓRICAS DA LÍNGUA DE SINAIS NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS
Conhecer a base histórica sobre a educação de surdos e a língua de sinais é um passo necessário para iniciar um estudo que tem por objetivo destacar a importância da língua de sinais na educação desse sujeito.
No decorrer da história, a surdez foi alvo de incompreensão, apresentada apenas por aspectos negativos onde os surdos foram vistos de várias formas, desde loucos, doentes até como pessoas castigadas pelos deuses. Considerados primitivos até o século XV, estes viviam à margem da sociedade, pois eram considerados ineducáveis, portanto não tinham direitos, principalmente à educação.
Segundo Soares (1999), nos meados do século XVI, Gerolamo Cardano (1501-1576) propôs um conjunto de princípios que prometia uma ajuda educacional e social para os deficientes auditivos, afirmando que podiam ser pensantes e poderiam aprender e o melhor seria por meio da escrita. Neste período, surgiram os primeiros educadores de surdos.
Estes educadores desenvolveram seus ensinos em diferentes direções e suas opções teóricas situaram-se entre dois extremos: o oralismo e a posição gestualista. Para compreender melhor este processo, será interessante analisar a história da educação dos surdos e o uso da língua de sinais, bem como a tentativa de oralizar o surdo. Se alguns educadores de surdos não mediam esforços para fazê-lo falar, outros criaram e adaptaram técnicas e metodologia especifica para ensinar os surdos nas suas diferenças lingüísticas.
O primeiro professor de surdos reconhecido pela história foi o padre espanhol Pedro Ponce de Lion (1520-1584), monge beneditino que ensinou a ler e a escrever, fazer cálculos e falar. Ele deixou uma escola de professores para surdos. Em 1620, na Espanha, Juan Pablo Bonet (1579-1629) publica o primeiro livro sobre educação de surdos intitulado de “Redação das Letras e Arte de Ensinar os Mudos a Falar”, que consiste no aprendizado do alfabeto manual.
Em 1760, o abade Charles Michel de L’Epée (1712-1789) estudou e adaptou o método gestual que era a fusão da língua de sinais com a gramática sinalizada. Foi com abade, em sua própria casa, que surgiu uma escola pública para surdos.
Embora L’Epée tenha comprovado que seu método com o uso de sinais era eficaz, foi muito criticado por educadores oralistas alemães, entre eles Samuel Heincke (1729-1790), que desenvolveu o método oralista que atribuía grande valor a fala.
Nos Estados Unidos, no final do século XX, as discussões e disputas acerca da educação do surdo ganharam força, principalmente entre Eduard Minner Gallaudet (1837-1917) e Alexandre Graham Bell (1847-1922), ambos filhos de mães surdas, que desenvolveram atividades e metodologias na área da surdez, porém seguiam filosofias diferentes, Gallaudet era a favor da abordagem manual e Graham Bell era representante do método oralista.
Em meio a tantos embates acerca das duas posições, o método oral ganha força e em 1880 define-se uma nova corrente na educação dos surdos, o oralismo e o uso da língua de sinais, em todas as suas formas, foi então proibido e estigmatizado.
Durante quase cem anos existiu o chamado “Império Oralista” e neste período os professores surdos já existentes nas escolas foram afastados e proibidos de usar a língua de sinais de seus países, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Era comum a prática de amarrar as mãos das crianças para impedi-las de fazer sinais.
No Brasil, aconteceu a mesma coisa e os surdos que utilizavam o método oralista apresentaram níveis elevados de fracasso e evasão escolar, não havendo assim evolução na aprendizagem desses sujeitos. Entretanto, os alunos surdos oriundos de vários centros urbanos, sinalizavam entre si, criando o momento propício para a constituição de uma língua de sinais brasileira.
Segundo Reily (2004,114), “A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve origem na sistematização realizada por religiosos franceses”, mais especificamente, com a chegada do professor francês em 1855, Henest Huet, professor surdo, que, a convite de D. Pedro II, trouxe o “método combinado” criado por L’Epee, para trabalhar com surdos no Brasil.
Em 1857 foi fundada a primeira escola para surdos no Brasil, sob a lei 939 de 26 de janeiro de 1857 e o Instituto dos Surdos-mudos, hoje Instituto Nacional da Educação de Surdos (INES). Foi a partir deste instituto que surgiu da mistura da língua de sinais francesa, trazida pelo professor Huet, com a língua de sinais brasileira antiga, a Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS.
No século XX, em 1960, William Stocke (EUA) implanta a filosofia da comunicação total na qual defendia a utilização de todos os meios para facilitar a comunicação como mímica, pantomima, gestos, sinais, estimulações auditivas, adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual, língua de sinais, leitura labial, alfabeto manual e leitura escrita.
No ano de 1971, em Paris, a língua de sinais passou a ser novamente valorizada. Foi também discutida nos Estados Unidos, sobre a chamada “filosofia da comunicação total”. As decisões tomadas neste congresso influíram positivamente na educação do surdo em todo mundo, também no Brasil.
Atualmente no Brasil, existem muitas escolas que vêm implementando uma proposta bilíngüe na educação dos surdos, ou seja, aprendizado com metodologia apropriada da língua portuguesa e da língua de sinais brasileira. Os surdos brasileiros vêm lutando por um ensino que atenda eficazmente suas necessidades lingüísticas e culturais para que possam integrar-se e estar em condições de igualdade com ouvintes tanto na vida social, quanto na profissional.
1.2- CARACTERIZANDO PERDA AUDITIVA E CULTURA SURDA
A surdez é a perda total ou parcial do sentido da audição. Trata-se por deficiência auditiva a diminuição da capacidade de percepção normal dos sons, sendo considerado surdo o individuo cuja audição não é funcional na vida comum e hipoacúsico, aquele, cuja audição ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva.
Segundo Kirk e Gallagher (1996), a audição é geralmente medida e descrita em decibéis (dB), medida relativa da intensidade do som. Uma audição normal é representada por zero decibéis e a perda auditiva de até vinte e cinco decibéis não é considerada uma deficiência significativa. Quanto maior o número de decibéis necessários para que uma pessoa possa responder ao som, maior a perda auditiva. Por isso existem vários tipos de surdez, de acordo com os diferentes graus de perda auditiva.
Uma perda auditiva de vinte e sete até quarenta dB é considerada como surdez leve e impede a pessoa de perceber sons distantes e os fonemas das palavras, mas não impede a aquisição normal da língua oral. A pessoa com surdez moderada apresenta perda auditiva entre quarenta e um a setenta decibéis ocasionando atraso de linguagem e alterações articulatórias.
Já a pessoa considerada como surda é aquela com surdez severa com perda auditiva entre setenta e um a noventa decibéis e o individuo consegue ouvir apenas sons próximos. Por fim a surdez profunda é a perda superior a noventa e um decibéis, privando o individuo de informações auditivas necessárias para perceber e identificar a voz humana, impedindo-o de adquirir a língua oral, fazendo-se necessário, nesse caso o uso da língua de sinais.
A dificuldade de comunicação dos surdos, ao longo da história, lhes trouxe muitos problemas. A falta desse mecanismo foi motivo de perseguição, segregação e exclusão. A visão da sociedade ouvinte sobre a surdez sempre foi preconceituosa - classificando esta deficiência como maldição, loucura, patologia e, para muitos, deficiência mental - colocou estes sujeitos à margem do mundo social, político, econômico, educacional e cultural, impedindo-os de exercer sua cidadania, impondo-os as decisões da cultura hegemônica ouvinte no que diz respeito a questões que lhe são pertinentes, como as questões educacionais e sobre a sua integração na sociedade, na escola e no mercado de trabalho, bem como na sua linguagem, não considerando seu crescimento e auto-realização.
A surdez ainda está associada à experiência da falta, da deficiência, porém vale ressaltar também é “uma diferença a ser politicamente reconhecida” (Skliar, 2005). Percebida e aceita a surdez como diferença, o surdo deve ser compreendido mais claramente em suas angústias, expectativas e demandas individuais e sociais.
As barreiras comunicativas criam dificuldades de desenvolvimento das estruturas mentais dos surdos, embora se saiba que estes possuem desenvolvimento cognitivo compatível de aprender como qualquer ouvinte, portanto a ênfase não deve ser dada à falta, à deficiência da audição, mas a dimensão lingüística e cultural que caracteriza a diferença do surdo.
O surdo não é diferente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades psicológicas e culturais diferentes dos ouvintes, que são baseadas na linguagem e na experiência visual. A pessoa surda vivencia a falta de audição num mundo de sons, o que a impede de adquirir naturalmente a linguagem oral usada pela comunidade majoritária, baseando-se nessa diferença sua identidade é construída, utilizando estratégias cognitivas, comportamentais e culturais diferentes da maioria dos ouvintes.
Para Perlin in Skliar (2005, p. 57), “(...) a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual, essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como construção multicultural”. Desta forma, entende-se que a identidade dos surdos é o conjunto de traços que o distingue dos ouvintes, representada por uma cultura específica, resultante das interações entre surdos.
A identidade cultural surda é formada através do pertencimento a uma cultura, por isso, o surdo está sempre em situação de necessidade com o outro igual, sendo a cultura surda o local onde o surdo constrói sua subjetividade de forma a assegurar a sua sobrevivência e a ter seu status dentro das múltiplas culturas.
Nesse sentido aqui abordado, cultura é a forma global de vida ou a experiência vivida de um grupo social, é definida como um campo de forças subjetivas que se expressam através da linguagem, dos juízos de valor, da arte, das motivações, etc., gerando a ordem de um grupo, com seus códigos próprios, sua forma de organização e de solidariedade.
Para Quadros (2001), a cultura surda tem características peculiares, específicas diante das demais culturas. Multifacetada, é própria do surdo, se apresenta de forma visual onde o pensamento e a linguagem são de ordem visual e por isso é tão difícil de ser compreendida pela cultura ouvinte.
O surdo percebe o mundo de forma diferenciada dos ouvintes, através de uma experiência visual e faz uso de uma linguagem especifica para isso - a língua de sinais. Esta língua é, antes de tudo, a imagem do pensamento dos surdos e faz parte da experiência vivida da comunidade surda. Como artefato cultural, a língua de sinais também é submetida à significação social a partir de critérios valorizados, sendo aprovada como sistema de linguagem rica e independente.
Um outro aspecto importante da cultura dos surdos é a adoção de uma ética da vida em seus comportamentos, pois, para os surdos, o que valida a ação é se ela atende ou não aos objetivos e necessidades básicas da vida, ou seja, sobrevivência, prazer e satisfação plena dessas necessidades.
Conclui-se que, quando visto sob o aspecto da deficiência, o surdo é caracterizado por algo que lhe falta, a audição; mas visto sob um novo olhar - o olhar das diferenças - é caracterizado como um sujeito que possui realmente a perda auditiva, mas possui também uma identidade política própria e faz parte de uma cultura rica e tem a sua língua. Vale-se ressaltar, porém, que nem todos os deficientes auditivos têm acesso a sua cultura, a sua linguagem, a sua identidade cultural, alguns por falta de conhecimento, outros por exigências familiares, por preconceitos (Botelho, 2002) negam-se ao direito de se comunicarem na sua língua natural, a língua sinalizada.
A escola precisa estar aberta à cultura surda, precisa reconhecê-la como cultura, precisa proporcionar meios para que seus educandos surdos não sejam vistos apenas como o deficiente auditivo, mas como alguém que possui uma identidade cultural própria, significativa com características próprias. Esta instituição precisa proporcionar recursos lingüísticos para que o surdo possa se desenvolver de forma autônoma, preparando-o para enfrentar desafios, não o vendo sob o ângulo da surdez, mas da diferença.
1.3- O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO SUJEITO SURDO.
Estudiosos e pesquisadores da surdez asseguram que os surdos passam por muitas dificuldades ao longo de suas vidas, tanto no aspecto social, como no desenvolvimento psicológico e acadêmico. Consideram que tais dificuldades estão diretamente relacionadas com a questão do desenvolvimento lingüístico devido a um atraso na aquisição da linguagem desses sujeitos.
Quando ocorre esse atraso, mesmo que aprendendo tardiamente uma língua, a criança surda sempre terá conseqüências como problemas emocionais, sociais e cognitivos, pois só com a linguagem simbólica é possível operar funções mentais superiores tipicamente humanas, o que faz com que a criança aprenda e apreenda conceitos e abstrações e assim se desenvolva cognitivamente.
Esta relação entre desenvolvimento lingüístico e cognição coloca o conceito de linguagem além da função comunicativa, mas também como função reguladora e organizadora do pensamento.
Rego (1994) ao estudar Vygotsky, destaca que, nos postulados deste teórico, o mesmo defende que a linguagem é de suma importância no desenvolvimento da criança. Ele vê este signo mediador como sendo imprescindível para o desenvolvimento humano, pois carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. Segundo este autor, a relação entre homem e o mundo não acontece de forma direta, mas mediada por sistemas simbólicos, sendo a linguagem uma construção cultural da humanidade, o sistema básico das sociedades e o principal aspecto para a construção da cognição humana.
Através destes estudos pode-se perceber a importância das relações sociais e lingüísticas no desenvolvimento das crianças. A criança surda por estar num meio social que faz uso da língua oral, é privada deste contato social de informações lingüísticas. A dificuldade e acesso a um código simbólico ou a sua língua natural - a língua de sinais - mantém sua atividade cognitiva orientada pelas percepções de outros órgãos dos sentidos, produzindo um tipo de pensamento mais concreto, já que é por meio da linguagem que a criança pode desvincular-se cada vez mais do concreto e internalizar conceitos abstratos.
Conforme Goldfeld (2002, p.60), “Se a criança não se desvincula do ambiente concreto, ela não terá condições favoráveis de desenvolver as funções organizadoras e planejadoras da linguagem satisfatoriamente”. Através desta fala entendemos que a criança percebe o mundo, assimila conceitos através da linguagem, sem ela a mesma não se desenvolve por não abstrair conceitos complexos. Por possuir pensamento concreto, caracterizado pelo mundo visual que cerca a criança surda, as pessoas ouvintes sempre as vêem como intelectualmente incapazes ou relacionam a surdez à deficiência mental.
Há muitos questionamentos acerca do surdo, ter dificuldades de abstrair conceitos por não ter acesso à linguagem. Botelho (2002) defende que essas dificuldades, quando existem, relacionam-se com experiências lingüísticas insatisfatórias. Mesmo sendo cognitivamente igual aos ouvintes, os surdos que não adquirem uma língua têm dificuldades de perceber as relações e o contexto mais amplo das atividades em que estão inseridos, assim o seu desenvolvimento e aprendizagem ficam fragmentados. A aquisição da língua de sinais vai permitir a criança surda, mediante suas relações sociais, o acesso aos conceitos de sua cultura que passará a utilizar como seus, formando assim uma maneira de pensar, agir e ver o mundo da cultura de sua comunidade.
Embasando a fala acima, Botelho (2002, p.53) diz que, “O que falta aos surdos, sem sombra de dúvidas, é o acesso a uma língua que dominem e que lhes permita pensar como todas as complexidades necessárias disponíveis como são para qualquer um”. Quando a criança surda tem acesso a sua língua natural, ou seja, a língua de sinais, ela se desenvolve integralmente, pois tem inteligência semelhante à dos ouvintes, com ressalva que aprendem da forma visual e não oral-auditiva, assim, a surdez não significa outra coisa senão a ausência de um dos elementos que permitem fazer relações com o ambiente, à audição.
A função principal do ouvido é a de receber, analisar os elementos sonoros do ambiente, e decompor a realidade em partes singulares com as quais se ligam nossas reações, a fim de adaptar o mais possível o comportamento ao ambiente. Em si mesmo, o comportamento humano, na sua totalidade de reações, se excluídas aquelas ligadas aos aspectos sonoros, permanece intacto no surdo.
Surge, assim, a necessidade de se buscar outros meios de aquisição de linguagem por parte dos indivíduos surdos, os quais valorizem o sentido visual, visto que os sonoros não são efetivos. Se não for utilizada a língua de sinais, todos os outros mecanismos utilizados com o sujeito surdos serão artificiais prejudicando, inclusive, o desenvolvimento natural destas crianças. Importante então é oferecer uma educação que permita o desenvolvimento integral do individuo surdo, de forma que o desenvolva toda a sua potencialidade cognitiva.
1.4- A LÍNGUA DE SINAIS NO CONTEXTO DA ESCOLA REGULAR
Todas as pessoas têm o direito de estar na escola (Constituição Federal, Art. 205), assim Ferreira (1999) define a escola como um estabelecimento público onde se ministra o ensino de forma coletiva, porém em sua essência a escola.
(...) apresenta-se, hoje como uma das mais importantes instituições sociais, por fazer, assim como as outras, a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Ao transmitir a cultura, e com ela, modelos sociais de comportamentos e valores morais à escola permite que a criança “humanize-se, cultive, socialize-se ou, numa palavra, eduque-se.” (Boock, 2002. P. 261).
Percebe-se então que a escola é muito importante na formação do sujeito em todos os aspectos. É um lugar de aprendizagem de diferenças e de trocas de conhecimentos, precisando, portanto atender a todos sem distinção, a fim de não promover fracassos, discriminações e exclusões (Carvalho, 2004).
Determinações constitucionais prevêem organização especial de currículos, desenvolvimento de métodos, técnicas e recursos educativos, além de professores especializados e capacitados. No caso do surdo especificamente, trata-se de promover adequações das ações educacionais à realidade daquele que tem (ou deveria ter) a língua de sinais como primeira língua.
Tais ações implicam na necessidade de uma educação bilíngüe nas classes regulares e estão respaldadas numa concepção filosófica norteadora de diretrizes legais que estabelecem uma escola alicerçada no respeito às diferenças e igual para todos, de forma a favorecer o desenvolvimento dos alunos surdos.
A Declaração de Salamanca (1994) prevê uma educação inclusiva onde todas as crianças podem aprender juntas, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, raciais, lingüísticas ou outras. No caso do surdo sua educação é prevista em sua língua nacional de signos, a língua de sinais.
Já a LDBEN/96 (Lei das Diretrizes Bases da Educação Nacional de 1996), fundamentada em Salamanca (1994) e na Constituição Federal de 1988, traz em seus artigos especificamente 58 e 59, fundamentos e princípios para uma educação inclusiva de qualidade que atenda a todos os educandos através de adequações específicas para atender as necessidades dos portadores de deficiências.
Para Carvalho (2004) não basta apenas colocar os deficientes em classes regulares, se faz necessário assegurar-lhes garantias e práticas pedagógicas que rompam as barreiras de aprendizagem a fim de não se fazer uma educação inclusiva marginal e excludente.
Na educação dos surdos, o que lhes constitui uma barreira de aprendizagem diz respeito às questões referentes à sua linguagem. Estes sujeitos não ouvem, por isso, têm grandes dificuldades em se comunicar e aprender, embora sejam iguais aos ouvintes, as precisam de uma educação diferente que o respeite na sua diferença.
Atualmente no Brasil há um crescente discurso sobre a educação bilíngüe para surdos. O termo bilingüismo significa “utilização regular de duas línguas por indivíduos, ou comunidade, como resultado de contato lingüístico” (Ferreira, 1999, p. 300). Ser bilíngüe, portanto é falar e escrever em duas línguas.
O surdo tem direito a esta educação e a mesma deve acontecer de maneira que, segundo Quadros, (2006) o português deveria ser ensinado aos surdos como segunda língua. Dessa forma a escola deveria apresentar alternativas voltadas às necessidades lingüísticas dos surdos, promovendo estratégias que permitam a aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais, como primeira língua e, paralelamente, introduzir a língua portuguesa em sua modalidade escrita, como segunda língua. A autora discorre acerca de como deve acontecer a educação bilíngüe e o papel da escola nesse processo.
“As diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngüe à criança em uma escola dependem de decisões político-pedagógicas. Ao optar-se em oferecer uma educação bilíngüe, a escola está assumindo uma política lingüística em que duas línguas passarão a co-existir no espaço escolar (...)”. (Quadros, 2006, p.18).
Entende-se assim que não basta somente a escola colocar duas línguas co-existindo nas suas classes, antes precisa que haja subsídios e adequações curriculares de forma a favorecer surdos e ouvintes, a fim de tornar o ensino apropriado à peculiaridade de cada aluno.
A lei 10.436 (24/04/2002) reconhece a legitimidade da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS - e com isso seu uso pelas comunidades surdas ganha respaldo do poder e dos serviços públicos. Esta lei foi regulamentada em 22 de dezembro de 2005, pelo Decreto de nº. 5.626/05 que estabelece a inclusão da LIBRAS como disciplina curricular nos cursos de magistério, pedagogia e fonoaudiologia, do ensino público e privado, e sistemas de ensino estaduais, municipais e federais (Cap.II, art. 3º.).
Este mesmo Decreto, no capítulo VI, Art. 22, incisos I e II, estabelece uma educação inclusiva para os surdos, numa modalidade bilíngüe em sua escolarização básica, garantindo-se a estes alunos, educadores capacitados e a presença do intérprete nessas classes.
O intérprete é muito importante na educação dos surdos nas classes regulares, pois é um profissional devidamente capacitado, que domina a LIBRAS, proporcionando aos surdos receber informações escolares em língua de sinais, abrindo-lhes oportunidades para que possam construir competências e habilidades na leitura e na escrita, tornando-se, portanto, letrados.
Através desses dispositivos legais, pode-se verificar que a escola regular está amparada legalmente para receber os alunos surdos em suas classes, pois a legislação brasileira já reconhece a importância da linguagem dos sinais na educação dos sujeitos surdos, como um elemento que abre portas para o desenvolvimento global dos alunos que não ouvem, mas que são iguais àqueles que têm a audição. O surdo não é pior que o ouvinte, é cognitivamente igual, tem as mesmas capacidades e inteligência (Botelho 2002), porém é um sujeito que tem uma forma única, peculiar de aprender, pois compartilha duas culturas e precisa apropriar-se de ambas. A língua de sinais constitui esta ponte, portanto, importante na educação dos surdos nas classes regulares.
2 - METODOLOGIA
2.1 MÉTODO
Diante do tema apresentado, optou-se por uma metodologia de estudo de campo embasada em uma pesquisa bibliográfica, por considerar-se um elemento fundamental na educação do sujeito surdo, o uso da língua e sinais.
2.2 AMOSTRA
A população envolvida é de professores de surdos, na qual foram selecionados 10 professores de três instituições da rede estadual de ensino regular na cidade de Salvador, totalizando 30 professores.
2.3 TÉCNICAS UTILIZADAS E PROCEDIMENTOS.
O trabalho realizou-se dentro do enfoque qualitativo e quantitativo, no qual foi feita uma pesquisa de campo, através de questionários direcionados aos docentes dos deficientes auditivos em escolas regulares, acerca de verificar a importância do uso da língua de sinais.
QUESTIONARIO
1- Você é a favor da inclusão de alunos surdos nas classes regulares?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
2- Você acha que os alunos surdos se desenvolvem melhor em escolas especiais?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
3- Você tem dificuldades em se comunicar com o surdo?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
4- Você é favor da língua de sinais em sala de aula?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
5- É conveniente para você ter um interprete em sala e aula todo o tempo?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
6- Você concorda que alem do interprete o professor também deve aprender libras?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
7- A escola que você trabalha esta apta para receber o portador de deficiência auditiva?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
8- Você concorda que bem estruturado linguisticamente o surdo consegue desenvolver competências e habilidades na leitura, escrita, e raciocínio lógico matemático ao ponto de se tornarem autônomos?
( ) sim ( )não ( ) parcialmente
2.4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Com base nos dados coletados através dos questionários, pode-se constatar de fato a importância da língua de sinais na educação dos portadores de deficiência auditiva em classes regulares.
Conforme a presente pesquisa pode-se analisar que 56,6% dos professores das três instituições são a favor da inclusão dos surdos nas classes normais, mesmo 80% destes achando que as escolas onde trabalham não estão aptas para receber portadores de deficiência auditiva.
Totaliza-se em 76,6% os que dizem serem a favor do uso da língua de sinais nas salas, por considerá-la importante na educação dos surdos. Porém 90% desses educadores tem dificuldades de se comunicarem com os portadores de surdez, por esse motivo 56,6 % desses são totalmente a favor da presença do intérprete na sala de aula.
Considerando-se que 90% deles acham que amparados linguisticamente os surdos podem desenvolver competências e habilidades intelectuais, encontraram-se contradições nestas opiniões, pois mesmo favoráveis à inclusão, 86,6% acham que os surdos se desenvolvem melhor em classes especiais devido ao uso exclusivo da língua de sinais. Achou-se controvérsias também nas respostas de 66,6% dos professores, que mesmo admitindo a importância da LIBRAS, não desejam de forma alguma aprendê-la.
Ao analisar as respostas dos professores percebe-se que ainda existem contradições acerca do uso da língua de sinais nas classes regulares. A lei 10436/2002 (lei da Libras) regulamentada pelo decreto 5626/2005 estabelece o uso da Libras em classes regulares, bem como a formação de profissionais para que possam garantir uma educação inclusiva em conformidade com o que diz Staimbck e Staimbck (1999) que juntos todos podem aprender.
Mais uma vez constatou-se através desta pesquisa, que a presença da língua de sinais na escola ainda representa um medo, mas que ela é importantíssima na educação dos surdos para que possam desenvolver-se em todos os seus aspectos.
3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer desse estudo foram abordadas importantes considerações teóricas e práticas que estão relacionadas ao aprendizado do aluno surdo. Esses conhecimentos se tornaram necessários para dar sustentabilidade às nossas análises, e em particular, à importância da língua de sinais para o surdo na rede regular do ensino.
Assim, baseada no levantamento bibliográfico e nos objetivos propostos, foi possível perceber que a língua de sinais é de grande importância para o desenvolvimento cognitivo e para o processo de aprendizagem do sujeito surdo. A questão da surdez está intimamente relacionada ao uso efetivo da língua. Entretanto, o que normalmente acontece no contexto pedagógico é que o aluno surdo, sobretudo na escolarização inicial, não domina a língua oral, e o professor por sua vez, não é usuário efetivo da língua de sinais. No entanto, fica evidente que a criança surda, quando aprende através da língua de sinais tem um maior desenvolvimento intelectual dos que quando aprendem sem o uso da mesma.
Esperamos que no futuro o valor das pessoas surdas, seja realmente reconhecido e aquilo que está sendo ofertado a ele, no presente seja efetivado de forma global e irrestrita. Que não fique somente nas legislações, posto que os mesmos já perderam muito do seu tempo sendo segregados durante anos a fio em escolas especializadas, que só serviram de pano de fundo para a grande discriminação que assola o país, além de não acrescentar nada ao processo de desenvolvimento do surdo enquanto pessoa ou como cidadão.
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FONTE:
http://www.administradores.com.br/artigos/administracao-e-negocios/a-importancia-da-lingua-de-sinais-na-escola-regular/28123/
Acesso: 27-07-2013
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